quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um salto no vazio ou A Matrix e o nascer de novo

Esse post é uma revisão do meu último, melhorado.
Tenho uma idéia recorrente que me encanta e assusta: a idéia de que não nos é possível viver com Deus sem um compromisso claro em abandonar a existência e se jogar em uma dúvida – mergulhar no vazio. Precisamos ser como um saltador de bungee jump, que confia sua vida a uma corda, sem, contudo, sentir a tensão da corda no momento do salto. Quando nos jogamos, o fazemos na certeza de que haverá algo que, não apenas nos salve da queda, mas que nos conceda uma experiência existencial mais valiosa, significativa, mais completa do que estando com os pés firmes no chão.
O salto no vazio retrata o desafio existencial relacionado a uma vida de fé. Quando se opta por uma postura de ateísmo materialista e racional, tem-se uma opção que possibilita uma certeza. A objetividade científica é capaz de proporcionar um solo firme onde se colocar. No entanto, não traz à alma conforto. A busca por um significado termina por nos deixar uma sensação de vazio e solidão. Vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Por mais que seja possível explicar tudo através de uma abordagem racional, a arbitrariedade de uma morte iminente, inevitável e irremediável é uma angustia ao maravilhoso ser humano, capaz de acumular vastos conhecimentos através de gerações e gerações.
Quem cogita a conversão, vislumbra a possibilidade de encontrar conforto nos braços de um Deus-Pai. Mas este abraço só é experimentado após o salto. Largar das certezas e da solidez de uma lógica-razão-de-vida é abandonar a única coisa que se tem, para almejar um conforto existencial no não-lógico - loucura aos olhos do mundo. É o mergulho no nada, onde já não se é. Aceitar a Cristo significa anular o nosso próprio eu, os desejos, a carne, buscando um ideal de existência que está para além do eu. 
É possível comparar esse salto à experiência do personagem Neo, do filme Matrix – como, por sinal, o fez o Rev. Charlito em certa ocasião. O personagem Neo experimentava uma falta de propósito na vida, que o levou a descobrir a “Matrix”. “O que é a Matrix?” era a indagação que queimava em seu coração. No momento em que ele descobriria o que era a Matrix, Neo é confrontado com uma decisão sem volta: (a) tomar a pílula azul, esquecer de tudo e voltar à vida como era antes; ou (b) tomar a pílula vermelha e conhecer a Verdade, sem contudo poder experimentar essa verdade antes de tomar a decisão.  O filme mostra que a Verdade de Neo era uma realidade dura e sem volta. No entanto, sua existência ganhou propósito e razão, e, além de tudo, completude.
Tomar a pílula vermelha é um impulso para a morte. Apenas a angústia da falta de significado, por viver na razão "computer generated" da Matrix, é o que impele Neo a aceitar tal experiência, apesar de desconhecer o que estava para além daquela sala. Se ele soubesse o que havia no mundo real, teria ele tomado a pílula vermelha? Assim é a conversão: abandonamos o que temos de certo, anelando por um sentido maior.
A caminhada de cada um, enquanto nascido de novo, começa com um sentimento de incompletude. Um vazio interior que, aparentemente, nada é capaz de preencher. Surge uma pergunta, que brota de dentro pra fora. Cada pessoa enfrenta uma questão diferente, mas todas apontam para a mesma resposta. Nicodemos perguntou: “Como posso, depois de velho, nascer de novo?” Essa era a Matrix de Nicodemos.
E assim como Neo, precisamos tomar uma decisão que nos leva aonde não conhecemos. Essa é uma decisão que transformará a nossa maneira de enxergar o mundo; abrirá nossos olhos para realidades antes desconhecidas – ou ignoradas, ou desprezadas, ou mal entendidas. Tal como o fruto da árvore do conhecimento, depois de ingerido nos tira da ignorância suave e nos coloca no centro da ação.
Assim como com Neo, nem sempre é uma realidade mais tranqüila. Vemos-nos na difícil tarefa de enfrentar os nossos próprios egos, de negarmos a nós mesmo e carregarmos, cada um, a nossa cruz. Não é uma caminhada fácil. O caminho é árduo e a porta é estreita.
É também um caminho sem volta. Assim como é, no filme, libertar-se da Matrix. Em cena da trilogia, o personagem Cypher faz um acordo com os agentes da Matrix para ser reinserido no sistema: voltar à ignorância original. Logo em seguida, na estória, fica claro que não é possível retornar à Matrix. Da mesma forma acontece na vida cristã.
“Para onde irei, se só Tu tens palavras de vida eterna?”, diz Pedro a Jesus. Pedro tinha a perfeita compreensão de que, uma vez saído da caverna, não é mais possível acreditar em sombras. Eventualmente vemos irmãos que, depois de terem conhecido a Verdade, desejam retornar à vida de ignorância, como se fosse possível des-aprender – não mais saber o que se sabe verdadeiro. Assim como Cypher na Matrix, essa atitude apenas esfria o coração do verdadeiro propósito, sem, contudo, trazer paz.
A verdadeira paz está na realização do objetivo, da missão da existência. No entanto, diferentemente de Neo, nós não carregamos o destino em nossas próprias mãos. Não estamos sós. A despeito da dureza da realidade que se descortina à nossa frente, o nosso companheiro de percurso já fez o caminho até o final. E o concluiu com mérito. Jesus diz: “tende bom ânimo, pois Eu venci o mundo”. Ele venceu!  Ele já conhece o final do filme. E no final, ele vence. E estamos com ele. Logo, não devemos desanimar no meio da história.
Não acredito, contudo, que uma pessoa por si só seja capaz de tomar a decisão de se jogar no não-ser – para ser então capturado pelo Deus-pai-do-filho-pródigo de braços aberto. A natureza humana se agarra à certeza-miope, com medo. É preciso que Deus-Espírito-Santo arranque o homem de dentro da caverna. Somente a ação direta de Deus, abrindo os olhos do homem, o torna capaz de almejar enxergar algo que seus olhos não vêem. Deus é quem instiga em nós o desejo de ver o invisível. De experimentar o impossível. Não fosse Cristo e o seu Consolador, viveríamos em nossa auto-justificação – quando melhor. 
Quando o filho - estando em cima do muro - pula nos braços do pai, é apenas porque o próprio pai o ordena: pule! Somente após o primeiro salto é que o filho aprende que pode confiar no Pai, e pulará outras vezes. 
Oremos para que, nos momentos em que estivermos nos sentido muito firmes em nosso chão de racionalidade humana, nos lembremos de nos jogar nos braços do Pai, para nos encontrarmos com Ele além do salto, em meio ao não-ser, não-razão, não-certeza-humana. Que Ele nos motive a tomar um fôlego profundo e pular no nada. Tomar a pílula vermelha.

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