quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Quando não há mais sentido, o sentido se releva em Deus

"Que grande inutilidade!", diz o mestre. 
"Que grande inutilidade! Nada faz sentido!" 
Eclesiastes 1:2




Carpe Diem, aproveite o dia! A palavra de ordem de nossos dias é viver intensamente. A lógica do McDonalds – super size, fast food – tomou conta do mundo da vida. A pessoas desejam que tudo seja imediato, e ao máximo possível. Assim é a trajetória do autor de Eclesiastes: de tudo ele experimentou em intensidade, do bem e do mal, do útil e do fútil. E o resultado foi: enfado.


O Sábio descreve que a existência humana não se converte em vida se não encontrarmos um significado para existir. Na sua observação e experiência, apesar de todos os empreendimentos e realizações, foi incapaz de encontrar esse significado, e tudo veio a ser monotonia e cansaço.


De fato, ele buscou arduamente este sentido. O livro de Eclesiastes bem poderia ser a biografia de um bon vivan, de um boêmio, presente em todas as feitas e eventos sociais, ou de uma celebridade. Poderia ser ainda o curriculum vitae de alguém extremamente empreendedor, que de tudo fez, e fez com excelência. Ao final de sua vida, todos imaginariam encontrar um homem realizado – alguém que alcançou um sentido para existir. Ao invés disso, o que o Sábio diz é que tudo não passou de enfado. Apenas canseira para o corpo e para a mente, sem sentido para o espírito.


Assim como autor de Eclesiastes, as pessoas do nosso tempo também têm se cansado da vida. Estão famintas, embora comam e bebam em abundância. Sentem-se incompletas, embora possuam muitas coisas. Eclesiastes mostra que não é possível encontrar o significado para esta vida porque ele está além da vida. Este livro está repleto de exemplos em que a experiência não proporciona completude à pessoa, antes, evidencia sua incompletude.


“Vaidade de vaidades – diz o sábio – tudo é vaidade”. O que o autor chama de vaidade é um sentimento irracional de desconexão entre causa e efeito, o qual resulta em indiferença. De tudo o homem experimenta, esperando encontrar um significado para a vida. Quando a capacidade de previr os resultados é contestada, o que sobra é uma indiferença para com as circunstâncias mundanas. Uma frustração que - ao extremo - resulta em completa apatia.


O autor de Eclesiastes verifica que é impossível ao conhecimento do homem descobrir um sentido para a existência. "Fiquei pensando: Eu me tornei famoso e ultrapassei em sabedoria todos os que governaram Jerusalém antes de mim; de fato adquiri muita sabedoria e conhecimento. Por isso me esforcei para compreender a sabedoria, bem como a loucura e a insensatez, mas aprendi que isso também é correr atrás do vento. Pois quanto maior a sabedoria, maior o sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto.” (Ec 1:16-18).


“De que serve?”. Quando o significado da vida, que liga o ser humano ao mundo, se quebra, esse ponto de ruptura é a vaidade.  O Sábio, no ponto de ruptura com a validade da vida, passa a observar tudo a partir de um ponto distante. Ele se aliena do mundo e de si mesmo. A partir da distância, deste olhar imparcial, surge a possibilidade de rever a identidade do ser humano. Nesse ponto, em que nada mais faz sentido, a pessoa se encontra na disposição correta para dar o salto no vazio.  É esse o momento em que a pessoa se abre para o não-conhecível, para o impossível.


Assim como é impossível à mente humana conhecer o sentido para a vida – pois ele está além da capacidade do conhecimento humano – também é impossível conhecer a Deus. Não é possível conhecer a Deus, a não ser pelo que Ele mesmo revela de si e se deixa conhecer. Deus é pessoal. Ela busca se relacionar conosco. A experiência com Deus se dá na relação que firmarmos com Ele, e é na relação com Deus que a completude pessoal se materializa. De nada nos serve conhecermos a nós mesmos ou procurar conhecer a Deus – como objeto de estudo. É inútil querer saber tudo sobre Deus, analisá-lo, dissecá-lo, pois é a relação que nos dá significado.


Quando nos relacionamos com Ele, sua revelação de si mesmo nos completa, como essência além do conhecimento humano. Uma experiência pessoal com Deus vai além do possível. Se considerarmos que o possível é aquilo que podemos experimentar estando com os dois pés no chão, somente poderemos conhecer a Deus quando tirarmos os pés do chão: impossível.


Ao se jogar no impossível, o Sábio compreendeu que o significado da vida não está na vida, mas em Deus. Nele, tudo ganha sentido, até mesmo o enfado da vida. Nesta existência, vazia em si mesma, Deus deve ser o absoluto. "De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos: porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer o juízo todas as obras até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más." (Ec  12:13,14)


Quando a vida não passa de futilidade – vaidade, nas palavras do sábio de Eclesiastes – o sentido está além do impossível, para além do vazio. A completude do coração, o significado à existência, o sentido para as relações interpessoais, o sabor da comida, o prazer das realizações, a razão para continuar existindo – todo o valor da vida somente pode ser encontrado em Deus. Para isso, precisamos deixar que Ele nos encontre.


E para que Deus nos encontre, só há um caminho, e este é Jesus: “Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14:8,9)

Um salto no vazio ou A Matrix e o nascer de novo

Esse post é uma revisão do meu último, melhorado.
Tenho uma idéia recorrente que me encanta e assusta: a idéia de que não nos é possível viver com Deus sem um compromisso claro em abandonar a existência e se jogar em uma dúvida – mergulhar no vazio. Precisamos ser como um saltador de bungee jump, que confia sua vida a uma corda, sem, contudo, sentir a tensão da corda no momento do salto. Quando nos jogamos, o fazemos na certeza de que haverá algo que, não apenas nos salve da queda, mas que nos conceda uma experiência existencial mais valiosa, significativa, mais completa do que estando com os pés firmes no chão.
O salto no vazio retrata o desafio existencial relacionado a uma vida de fé. Quando se opta por uma postura de ateísmo materialista e racional, tem-se uma opção que possibilita uma certeza. A objetividade científica é capaz de proporcionar um solo firme onde se colocar. No entanto, não traz à alma conforto. A busca por um significado termina por nos deixar uma sensação de vazio e solidão. Vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Por mais que seja possível explicar tudo através de uma abordagem racional, a arbitrariedade de uma morte iminente, inevitável e irremediável é uma angustia ao maravilhoso ser humano, capaz de acumular vastos conhecimentos através de gerações e gerações.
Quem cogita a conversão, vislumbra a possibilidade de encontrar conforto nos braços de um Deus-Pai. Mas este abraço só é experimentado após o salto. Largar das certezas e da solidez de uma lógica-razão-de-vida é abandonar a única coisa que se tem, para almejar um conforto existencial no não-lógico - loucura aos olhos do mundo. É o mergulho no nada, onde já não se é. Aceitar a Cristo significa anular o nosso próprio eu, os desejos, a carne, buscando um ideal de existência que está para além do eu. 
É possível comparar esse salto à experiência do personagem Neo, do filme Matrix – como, por sinal, o fez o Rev. Charlito em certa ocasião. O personagem Neo experimentava uma falta de propósito na vida, que o levou a descobrir a “Matrix”. “O que é a Matrix?” era a indagação que queimava em seu coração. No momento em que ele descobriria o que era a Matrix, Neo é confrontado com uma decisão sem volta: (a) tomar a pílula azul, esquecer de tudo e voltar à vida como era antes; ou (b) tomar a pílula vermelha e conhecer a Verdade, sem contudo poder experimentar essa verdade antes de tomar a decisão.  O filme mostra que a Verdade de Neo era uma realidade dura e sem volta. No entanto, sua existência ganhou propósito e razão, e, além de tudo, completude.
Tomar a pílula vermelha é um impulso para a morte. Apenas a angústia da falta de significado, por viver na razão "computer generated" da Matrix, é o que impele Neo a aceitar tal experiência, apesar de desconhecer o que estava para além daquela sala. Se ele soubesse o que havia no mundo real, teria ele tomado a pílula vermelha? Assim é a conversão: abandonamos o que temos de certo, anelando por um sentido maior.
A caminhada de cada um, enquanto nascido de novo, começa com um sentimento de incompletude. Um vazio interior que, aparentemente, nada é capaz de preencher. Surge uma pergunta, que brota de dentro pra fora. Cada pessoa enfrenta uma questão diferente, mas todas apontam para a mesma resposta. Nicodemos perguntou: “Como posso, depois de velho, nascer de novo?” Essa era a Matrix de Nicodemos.
E assim como Neo, precisamos tomar uma decisão que nos leva aonde não conhecemos. Essa é uma decisão que transformará a nossa maneira de enxergar o mundo; abrirá nossos olhos para realidades antes desconhecidas – ou ignoradas, ou desprezadas, ou mal entendidas. Tal como o fruto da árvore do conhecimento, depois de ingerido nos tira da ignorância suave e nos coloca no centro da ação.
Assim como com Neo, nem sempre é uma realidade mais tranqüila. Vemos-nos na difícil tarefa de enfrentar os nossos próprios egos, de negarmos a nós mesmo e carregarmos, cada um, a nossa cruz. Não é uma caminhada fácil. O caminho é árduo e a porta é estreita.
É também um caminho sem volta. Assim como é, no filme, libertar-se da Matrix. Em cena da trilogia, o personagem Cypher faz um acordo com os agentes da Matrix para ser reinserido no sistema: voltar à ignorância original. Logo em seguida, na estória, fica claro que não é possível retornar à Matrix. Da mesma forma acontece na vida cristã.
“Para onde irei, se só Tu tens palavras de vida eterna?”, diz Pedro a Jesus. Pedro tinha a perfeita compreensão de que, uma vez saído da caverna, não é mais possível acreditar em sombras. Eventualmente vemos irmãos que, depois de terem conhecido a Verdade, desejam retornar à vida de ignorância, como se fosse possível des-aprender – não mais saber o que se sabe verdadeiro. Assim como Cypher na Matrix, essa atitude apenas esfria o coração do verdadeiro propósito, sem, contudo, trazer paz.
A verdadeira paz está na realização do objetivo, da missão da existência. No entanto, diferentemente de Neo, nós não carregamos o destino em nossas próprias mãos. Não estamos sós. A despeito da dureza da realidade que se descortina à nossa frente, o nosso companheiro de percurso já fez o caminho até o final. E o concluiu com mérito. Jesus diz: “tende bom ânimo, pois Eu venci o mundo”. Ele venceu!  Ele já conhece o final do filme. E no final, ele vence. E estamos com ele. Logo, não devemos desanimar no meio da história.
Não acredito, contudo, que uma pessoa por si só seja capaz de tomar a decisão de se jogar no não-ser – para ser então capturado pelo Deus-pai-do-filho-pródigo de braços aberto. A natureza humana se agarra à certeza-miope, com medo. É preciso que Deus-Espírito-Santo arranque o homem de dentro da caverna. Somente a ação direta de Deus, abrindo os olhos do homem, o torna capaz de almejar enxergar algo que seus olhos não vêem. Deus é quem instiga em nós o desejo de ver o invisível. De experimentar o impossível. Não fosse Cristo e o seu Consolador, viveríamos em nossa auto-justificação – quando melhor. 
Quando o filho - estando em cima do muro - pula nos braços do pai, é apenas porque o próprio pai o ordena: pule! Somente após o primeiro salto é que o filho aprende que pode confiar no Pai, e pulará outras vezes. 
Oremos para que, nos momentos em que estivermos nos sentido muito firmes em nosso chão de racionalidade humana, nos lembremos de nos jogar nos braços do Pai, para nos encontrarmos com Ele além do salto, em meio ao não-ser, não-razão, não-certeza-humana. Que Ele nos motive a tomar um fôlego profundo e pular no nada. Tomar a pílula vermelha.