terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Salto para o Não-Ser

Domingo passado (25/01/2009) o Rev. Carlos Moreira utilizou o filme Matrix e o Mito da Caverna platônico como ilustração para a vida cristã.

Lembrei de uma música que escrevi.

A letra é a seguinte:

"Encontrei um bilhete, com minha própria caligrafia, que dizia:
fui ali me encontrar, não sei quando vou voltar.
E fiquei só.

Mergulharei no nada, onde já não sou e só tu és.
Mergulharei no nada, onde já não sou.

Não sei se você vai me segurar quando eu pular.
Não sei se você vai me segurar.
Vem me buscar."

Nessa música, procurei retratar o desafio existencial relacionado à uma vida de fé.

Quando se opta por uma postura de ateísmo materialista e racional, tem-se uma opção que possibilita uma certeza. A objetividade científica é capaz de proporcionar um solo firme onde se colocar. No entanto, não traz à alma conforto. A busca por um significado termina por nos deixar uma sensação de vazio e solidão. ("Fui ali me encontrar, e fiquei só"). Por mais que seja possível explicar tudo através de uma abordagem racional, a arbitrariedade de uma morte iminente, inevitável e iremediável é uma angustia ao maravilhoso ser humano, capaz de acumular vastos conhecimentos através de gerações e gerações.

"Mergulharei no nada..."
Quem cogita a conversão vislumbra a possibilidade de encontrar conforto nos braços de um Deus-Pai. Mas este abraço só é experimentado após o salto. Largar das certezas e da solidez de uma lógica-razão de vida é abandonar a única coisa que se tem para almejar um conforto existencial no não-lógico - loucura aos olhos do mundo. É o mergulho no nada, onde já não se é. Aceitar a Cristo significa anular o nosso próprio eu, os desejos, a carne, buscando um ideal de existência que está para além do eu. 

(Tomar a pílula azul é um impulso para a morte. Apenas a angústia da falta de significado do viver na razão "computer generated" da Matrix é que impele Neo a aceitar tal experiência, apesar de desconhecer o que estava para além daquela sala. Se ele soubesse o que havia no mundo real, teria ele tomado a pílula azul? Assim é a conversão: abndonamos o que temos de certo, anelando um sentido maior; uma vez tomada a pílula, não há mais como retornar à Matrix - "para onde irei, se só tu tens as palavras de vida eterna?")

"Vem me Buscar"
Por fim, não acredito que uma pessoa por si só seja capaz de tomar a decisão de se jogar no não-ser (para ser então capturado pelo Deus-pai-do-filho-pródigo de braços abertos). A natureza humana se agarra à certeza-miope com medo. É preciso que Deus-Espírito-Santo arranque o homem de dentro da caverna. Somente através da ação direta de Deus, abrindo os olhos do homem, o torna capaz de almejar enxergar algo que seus olhos não veem. Deus é quem instiga em nós o desejo de ver o invisível, não fosse Cristo e o seu Consolador, viveríamos em nossa auto-justificação, quando melhor. 

Quando o filho - estando em cima do muro - pula nos braços do pai, é apenas porque o próprio pai o ordena: pule! Apenas após o primeiro salto é que o filho aprende que pode confiar no Pai, e pulará outras vezes, até mesmo por própria iniciativa. 

Oremos para que, nos momentos em que estivermos nos sentido muito firmes em nosso chão de racionalidade humana, nos lembremos de nos jogar nos braços do Pai, se encontram além do salto, em meio ao não-ser, não-razão, não-certeza-humana.